quarta-feira, 21 de julho de 2010

Xamãs, artesãos e mestres da cultura popular serão professores da UnB



Universidade será a primeira no Brasil a ter uma disciplina baseada nos
saberes tradicionais.

Aulas devem começar no próximo semestre
Ana Lúcia Moura - Da Secretaria de Comunicação da UnB

Benki Pianko é um grande especialista brasileiro em reflorestamento.
Maniwa Kamayurá conhece em detalhes as técnicas de construção indígena. Lucely
Pio é capaz de identificar com precisão qualquer planta do cerrado. Mas o
conhecimento de nenhum deles veio das salas de aula. Eles aprenderam o
ofício com o avô, com a avó, com o pai, com a mãe. E passam sua sabedoria aos
mais novos, aos filhos, aos netos. Agora, vão ensinar o que aprenderam também
aos alunos da Universidade de Brasília.

Benki, Maniwa e Lucely serão professores de uma disciplina de módulo
livre que deve ser inaugurada no próximo semestre: Artes e Ofícios dos Saberes
Tradicionais. Benki, que é mestre do povo indígena Ashaninka, no Acre,
Maniwa, pajé e representante dos povos indígenas do Alto Xingu e Lucely,
mestre raizeira da Comunidade Quilombola do Cedro, em Goiás, vão passar
adiante o conhecimento acumulado durante mais de um século nas comunidades
onde cresceram e vivem até hoje. Benki e Maniwa são xamãs indígenas, líderes
espirituais com funções e poderes ritualísticos. Lucely é mestre quilombola.

Além deles serão também professores da nova disciplina Otávionilson
Nogueira dos Santos, que domina os métodos de fabricação de embarcações
tradicionais maranheneses, e Biu Alexandre, mestre do Cavalo Marinho Estrela
de Ouro de Condado, um dos tradicionais grupos folclóricos da Zona da Mata
pernambucana, que reúne teatro, dança, música e poesia.

A criação da disciplina, que deve ter carga semanal de seis horas e
depende ainda de aprovação do Decanato de Ensino de Graduação, faz parte de um
projeto de introdução dos saberes tradicionais na universidade. Um modelo de
universidade que Darcy Ribeiro sonhou.

O criador da UnB imaginava uma instituição moderna, que não fosse só
fonte de criação científica, mas de encontro de culturas, de produção artística
e cultural. “Queremos promover um diálogo, uma troca de conhecimentos",
explica o professor José Jorge de Carvalho, do Departamento de
Antropologia.
"Os mestres que aqui estarão tem um modo de construir saberes que leva
em conta não só o pensar, que é característico da cultura das
universidades, mas também o fazer e o sentir”, completa o professor.

AVANÇO - O professor José Jorge destaca, no entanto, que a introdução
dos saberes tradicionais não é uma negação da forma utilizada pelas
universidades de produzir e transmitir conhecimento. “Pelo contrário. É uma
soma.
Sabemos coisas que os mestres tradicionais não sabem, assim como eles sabem
muito do que não conhecemos. A universidade pode ser muito mais rica do que
é”, acrescenta.

O diretor do Departamento de Antropologia, Luís Roberto, lembra que a
criação de disciplinas de módulo livre, que permitem aos alunos contato com um
conhecimento totalmente fora de sua área, foi um avanço. "E colocar os
mestres frente a frente com os alunos e ao lado dos professores é uma
proposta ainda mais radical, mas fundamental para ampliar horizontes",
comenta.

Para Nina de Paula Laranjeira, diretora de Acompanhamento e Integração
Acadêmica do Decanato de Ensino de Graduação, a iniciativa por si só já
demostra uma mudança nos modos de pensar. "Precisamos superar o
paradigma de que o conhecimento está limitado à comprovação científica", afirma.

TROCA DE SABERES - Para discutir a inserção dos saberes populares na
academia, apresentar iniciativas semelhantes no Brasil e no exterior e
apresentar a UnB aos novos professores, ocorre nesta terça e quarta-feira o
Seminário Internacional Encontro de Saberes. Construído também com apoio do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o evento
vai reunir mestres indígenas e de atividades folclóricas, professores
brasileiros e de cinco países sulamericanos, além de representantes do governo
federal.

Entre os palestrantes estão o reitor da Universidade Amawtay Wasi do
Equador, Maria Mercedes Díaz, da Universidade de Catamarca na Argentina, Jaime
Arocha, professor de Antropologia da Universidade Nacional da Colômbia, Carlos
Callisaya, coordenador das Universidades Indígenas da Bolívia no
Ministério da Educação boliviano e Maria Luísa Duarte Medina, que atua em
projetos de inclusão dos saberes indígenas nas instituições de ensino superior
do Paraguai.
“A presença de cada um deles mostra que a inclusão dos saberes
tradicionais na academia é um movimento cada vez mais forte”, afirma José
Jorge, que é também coordenador dos Institutos Nacionais de Ciência e
Tecnologia, parceira da UnB na organização do encontro.

A forma de ministrar as aulas serão definida em oficinas que acontecem
após o seminário, nos dias 15 e 16. Professores da UnB e especialistas
convidados vão se reunir com os mestres para elaborar as bases pedagógicas e
antropológicas da nova disciplina e definir o número de vagas em cada semestre.
“O método de transmissão dos mestres tradicionais é completamente diferente do
nosso.
Então, precisamos ver como isso será”, explica o professor José Jorge. “A
raizeira Lucily, por exemplo, deve ensinar caminhando pelo cerrado”, completa.
Cada mestre passará duas semanas na UnB e será acompanhado por um professor
na sala de aula. “A universidade pode ser mais rica do que é e para isso
precisa fazer justiça à riqueza de saberes que existem no Brasil”, completa o
professor José Jorge.

Textos: UnB Agência.

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